Ao longo do tempo, enquanto nos acostumamos com o ambiente em que vivemos, muitos dos aspectos do nosso dia-a-dia começam a passar despercebidos, fazendo com que pareçam óbvios mesmo que cheios de detalhes curiosos e às vezes até realmente estranhos.

Por exemplo, ao perguntar para uma pessoa se ela prefere morar em São Paulo ou em alguma cidade pequena do interior, o motivo costuma resultar em argumentos parecidos: mais coisas para fazer em São Paulo e mais tranquilidade no interior. Enquanto a diferença entre as prioridades delas acaba sendo destacado pela pergunta, as duas respostas revelam uma semelhança ainda mais importante que qualquer diferença.

Para entender isso um pouco melhor basta tentar analisar o nosso próprio processo de escolher uma casa ou apartamento novo. Fatores como distância do mercado, do ponto de ônibus mais próximo ou do trabalho, segurança e até arborização do bairro são levados em conta. Resumindo, apesar de estarmos lidando com muitas variáveis ao tentarmos descrever um lugar, no geral elas podem ser separadas em o quê são as coisas que o compõem, por exemplo priorizando alguns tipos de estabelecimentos, e onde elas estão. Realmente, se pudéssemos fazer tudo em um lugar só (o que de certa forma seria equivalente a reduzir o custo de viagem à zero), essas discussões não existiriam.

Não por coincidência, a necessidade de planejar e tomar decisões antes de realizar alterações no espaço em que vivemos é um problema já bem conhecido e explorado por especialistas de várias áreas.

Seja por sua pela sua grande importância (especialmente em projetos longos. custosos ou que não podem ser facilmente desfeitos) ou pelos desafios envolvidos em modelar a cidade, composta por um número incontável de componentes que interagem entre si, enquanto a tecnologia evolui e o número de ferramentas que temos ao nosso dispor aumenta, novas formas de abordar o planejamento urbano também aparecem.

Apesar disso, assim como outros fenômenos da natureza e sociais, as cidades são caracterizadas como sistemas complexos, em que mesmo que seja possível ter uma boa noção de como as peças interagem entre si, prever impactos até mesmo de pequenas ações é extremamente difícil.

Mesmo assim vamos tentar, emprestando alguns conceitos dos modelos Integrados de Uso de Solo e Transporte.

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De maneira geral, o núcleo desses modelos é justamente a relação interdependente entre os chamados usos de solo, ou como foram descritos anteriormente, o que são as coisas que compõem o nosso cenário, e a acessibilidade entre elas, determinada principalmente pela rede de transporte. Sua interdependência vem do fato de que apesar de podermos descrever essas duas componentes isoladamente, explicar porque elas se encontram em determinado estado ou prever seu comportamento requer uma visão de ambas.

Apesar da grande variedade de modelos e métodos, pode se dizer que o processo de modelagem das cidades dessa forma costuma ser feito com “intuição ajustada com dados”. Por exemplo, ao descrevermos o efeito da distância do mercado mais próximo no valor de uma residência, poderíamos criar um modelo em que eles se relacionam linearmente, quadraticamente, exponencialmente e assim por diante. A presença de outras variáveis escondidas e demais dificuldades de trabalhar com esses dados poderia nos dar informação apenas até certo ponto (como quais os coeficientes da reta caso formos usar o modelo linear), mas se levarmos em conta que essa é apenas uma pequena parte do modelo como um todo, e esse processo deve ser repetido inúmeras vezes, para cada atributo que se deseje considerar, fica claro o papel da intuição ao se tomar algumas decisões.

Com isso em mente, vamos começar trabalhando com um modelo extremamente simples, para que a partir dele possamos estudar um outro conceito que depois pode ser aplicado em cenários mais complexos.

Mais especificamente, queremos agora estudar precisamente a possibilidade de simular e auxiliar a evolução de uma cidade usando o modelo de suas partes que obtivemos. Vamos fazer isso partindo de sua rede viária: um grafo ponderado e dirigido em que ruas são separadas em vértices e arestas, sua mão modelada como direção e limite de velocidade como como peso no grafo.

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Em seguida separamos o espaço ao redor da rede em uma grade retangular, em que podemos acessar as células separadamente. Após classificar as células interceptadas pela rede como Rua, calculamos a acessibilidade das demais usando a média da distância de cada uma para as demais usando a rede para se locomover. Fazemos isso dividindo a viagem em caminho até a rede, menor caminho dentro da rede, e a caminho da rede ao destino.

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Com tudo pronto, podemos começar a decidir os usos de solo e descrever como eles se relacionam. Ainda tentando manter a simplicidade, usamos desenvolvimentos Residencial, Comercial, Industrial e Recreacional, influenciando linearmente o valor um do outro dentro de uma região com 5 células de raio de onde se encontram, junto com o valor da acessibilidade normalizado.

Deixando de lado discussões do quão verossímil é o modelo em si, fator que pode ser ajustado posteriormente, com apenas isso já conseguimos avaliar a qualidade de uma determinada região ao somarmos os valores obtidos de cada uma das células. O próximo desafio é como podemos usar isso ao nosso favor para auxiliar na construção de uma cidade “ideal” para os nossos parâmetros.

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Uma abordagem seria simplesmente classificar cada célula aleatoriamente. Repetindo esse processo diversas vezes, certamente em algum momento poderíamos ter sorte, gerando uma boa distribuição de usos de solo. Um método melhor seria acessarmos uma célula de cada vez, “testando” o efeito imediato na soma dos valores de construir cada um dos tipos de desenvolvimento disponíveis. Mas considerando que a ação que produz a maior recompensa imediata não necessariamente é a melhor ao longo prazo, essa ideia poderia ser estendida testando dois, três ou quantos passos à frente se desejar.

O fator limitante nesse caso seria justamente o aumento exponencial de estados que deveriam ser checados para determinar a melhor ação. Por sorte, nosso problema foi modelado de maneira que o uso de aprendizado por reforço para resolvê-lo aparece quase naturalmente, abrindo uma ampla gama de algoritmos que nos permita treinar um agente capaz de interagir com nosso ambiente e aprender uma política que maximize nossos valores dos desenvolvimentos individuais e, como consequência, resulte em uma boa cidade.